O maior julgamento da história do Supremo Tribunal Federal (STF) pode
ter seu desfecho esta semana, com a prisão de 23 condenados por
participar do esquema do mensalão. A iminência da cadeia levou grande
parte dos réus a replanejar sua existência, depois de uma condenação
cada vez mais provável. Na última semana, ISTOÉ conversou com pessoas
próximas aos protagonistas do escândalo. A primeira preocupação dos
condenados e de seus advogados é saber onde irão cumprir a pena
recebida. Os réus querem ficar próximos das famílias, mas ao mesmo tempo
num lugar onde sua integridade física possa ser garantida.
Quando esteve no presídio de Tremembé, no interior de São Paulo, em
razão de delitos com a Receita, o operador do mensalão, Marcos Valério,
chegou a exibir marcas de tortura pelo corpo. Embora o próprio Valério
jamais tenha esclarecido do que se tratava, as circunstâncias da
agressão apontam para um caso clássico de chantagem no interior de uma
cadeia, pelo qual um detento é dominado e torturado por bandidos
recolhidos no mesmo local, até que seus familiares comprem sua segurança
em troca de polpudas somas em dinheiro. Por essa razão, advogados dos
condenados acreditam que a melhor opção para o cumprimento da pena seria
manter seus clientes no presídio da Papuda, em Brasília. Na
penitenciária da capital federal, estão sendo gastos mais de R$ 3
milhões na reforma de uma ala especial. É para lá que pretende ir o
deputado Valdemar da Costa Neto (PR-SP) e os mineiros Ramon Hollerbach e
Cristiano Paz.
O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares prefere ficar em São Paulo, perto
da esposa. Na mala, vai colocar alguns livros de literatura e poesia – o
preferido é Cora Coralina – e alguns DVDs de bossa nova.
Na conta de Delúbio, a condenação de oito anos e 11 meses de detenção
deve resultar em pouco menos de dois anos em regime fechado. Um tempo
que ele diz que vai encarar como mais uma missão do PT. Delúbio já
organizou a administração da sua imobiliária online, que será comandada
por sua irmã, Delma Soares. A preocupação do ex-tesoureiro é se
conseguirá assistir ao futebol, especialmente aos jogos da Copa do
Mundo. Também gostaria de se manter informado sobre a vida política e
partidária enquanto estiver detido. Quem esteve com ele durante os
últimos dias diz que a família tem evitado tratá-lo como vítima e que o
próprio Delúbio admite que esperava um resultado desfavorável em razão
do que chama de viés politizado do julgamento.
A mesma postura se exibe na casa de José Dirceu, embora o clima seja
mais tenso. Apontado como o chefe da quadrilha pelos ministros do STF,
Dirceu reafirma que sua condenação tem caráter político-partidário, e
assim explica o motivo de os ministros não terem oferecido respostas
mais alongadas para os recursos de sua defesa. Na quinta-feira 5, Dirceu
reuniu 100 pessoas no salão de festas do seu apartamento, na Vila
Mariana, para assistir no telão ao julgamento dos embargos de
declaração. Apesar de se manter calado e apenas ouvir as palavras de
apoio dos amigos e das ex-mulheres que estavam presentes, o ex-ministro
de Lula temia que sua prisão fosse decretada naquele dia. Dirceu disse
aos advogados que gostaria de ficar na penitenciária de Vinhedo, cidade
onde mora com sua família, mas quer a garantia de que estará seguro e
longe de criminosos perigosos ou de facções. Na conta do advogado de
Dirceu, José Luiz de Oliveira, os dez anos e dez meses de condenação
devem resultar em apenas um ano e meio de regime fechado, tempo em que
Dirceu pretende gastar escrevendo um livro e artigos políticos no seu
blog, além de realizar trabalhos voluntários na prisão, como lavar roupa
e cozinhar. Para continuar militando da prisão e manter contato com os
companheiros petistas, Dirceu planeja levar um laptop. A exemplo de
Delúbio, Dirceu também quer saber como verá os jogos do Brasil durante a
Copa do Mundo. Quando conseguir passar para o regime semiaberto, o
ex-ministro da Casa Civil voltará a atuar no PT e tentará recuperar o
portfólio de clientes da sua empresa de consultoria.
José Dirceu não tem grandes preocupações financeiras, ao contrário do
deputado federal José Genoino (PT-SP), ex-presidente do partido
condenado a seis anos e 11 meses de detenção em regime semiaberto. Na
última quinta-feira, enquanto os ministros do STF julgavam os últimos
embargos de declaração, Genoino entrou com um pedido de aposentadoria
por invalidez como deputado federal. Foi a saída pensada pelo advogado
Luiz Fernando Pacheco para livrá-lo de uma votação sobre a perda de
mandato e garantir salário integral de R$ 26,7 mil. O pedido foi
entregue à direção-geral da Câmara e deve ser analisado por uma junta
médica da Casa na próxima semana. Técnicos legislativos que trabalham no
setor afirmam que o pedido deve ser aceito. Para isso, levarão em conta
os argumentos do médico Roberto Kalil, do Hospital Sírio-Libanês, onde o
deputado foi operado em julho para correção de dissecção de aorta.
Kalil afirma que o deputado sofre de cardiopatia grave, “que o leva a
ser atingido pelo risco social de incapacidade total e definitiva para o
trabalho”. Para o médico, as tensões em torno da atividade política e
as viagens frequentes de São Paulo para a capital podem agravar sua
doença.
Se o pedido for rejeitado, o deputado continuará recebendo R$ 20 mil,
referentes à aposentadoria proporcional a 14 anos de serviço como
deputado em legislaturas passadas. É com base nesse laudo médico
elaborado por Kalil que o advogado de Genoino vai pedir para que ele
cumpra prisão domiciliar, alegando a necessidade de cuidados específicos
e proximidade com a família. Segundo relatos de quem esteve com o
deputado na última semana, seu estado emocional é mais delicado do que o
de outros condenados. Até pela saúde fragilizada, ele tem recebido
atenção da família e se poupado de discutir o assunto. No PT, o
entendimento é de que, enquanto cumprir a pena, Genoino poderá dar
consultorias informais para o partido.
A preocupação em não se afastar da política é o que motiva o deputado
Valdemar da Costa Neto (PR-SP) a programar sua prisão para Brasília,
apesar de ser oficialmente de São Paulo. Em um jogo combinado, o cacique
do PR pretende cumprir sua pena na capital para acompanhar de perto as
movimentações partidárias. Enquanto estiver preso, viverá do salário de
funcionário do partido e pretende dar expediente na sede da legenda
durante o dia, já que estará em regime semiaberto. Valdemar tem repetido
a amigos que estava havia anos se preparando para a cadeia e considera
quase nula a possibilidade de haver um novo julgamento por meio de
embargos infringentes. Mas, em tese, essa possibilidade existe, mesmo
que remota.
Na terça-feira 10, os advogados dos condenados vão entregar aos
ministros um memorando defendendo o uso desse tipo de recurso no
julgamento. A ideia é que esses novos argumentos ajudem os ministros a
decidir se aceitam ou não esses embargos, uma vez que ele é previsto no
Regimento Interno da Corte, mas não na lei 8.038/90, que disciplina os
processos no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Três ministros
ouvidos por ISTOÉ afirmam que a lei deve sobrepor-se ao regimento e por
isso os embargos tendem a ser rejeitados. A expectativa desses
ministros é que haja pelo menos seis votos contrários ao uso dos
embargos infringentes no julgamento do mensalão.
A decisão sobre um novo julgamento será tomada pelos ministros na
quarta-feira 11, quando continuarão julgando o embargo apresentado por
Delúbio Soares. Se for aceito, além de Delúbio, outros dez réus podem
apresentar o novo recurso. São eles: João Paulo Cunha, José Dirceu, José
Genoino, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano
Paz, José Salgado, João Cláudio Genu e Breno Fischberg, estes dois
últimos beneficiados com redução de pena na semana passada, porque o STF
reconheceu que errou no cálculo das condenações. O pior cenário para os
condenados, considerado o mais provável, é a rejeição dos embargos pelo
Supremo. Na prática, isso significa que o Ministério Público Federal
poderá pedir a prisão imediata dos condenados, alegando não haver mais
recursos disponíveis. As prisões, nesse caso, ocorreriam na sexta-feira.
A data é bem posterior ao que pretendia o presidente da corte,
Joaquim Barbosa, que pressionou os colegas para concluir o julgamento na
semana passada. Nos bastidores, os ministros admitem que não
concordaram com a pressa proposta pelo relator do caso por dois motivos.
O primeiro, mais técnico, se refere à possibilidade de os advogados
alegarem cerceamento de defesa e condenação sem obediência aos prazos
legais. O segundo motivo é pessoal. Os ministros entenderam que Barbosa
tentava acelerar o fim do julgamento para abrir espaço ao decreto de
prisão imediata. Os réus seriam presos às vésperas das comemorações de 7
de setembro, em que ele é convidado do palanque presidencial.