Equipamentos sucateados encontrados em galpão da prefeitura de Holambra,
interior de São Paulo. As finanças da cidade não estão em situação melho
“Quando o fardo da presidência parecia pesado demais, eu dizia a mim
mesmo: poderia ser pior, eu poderia ser um prefeito.” A frase, atribuída
ao ex-presidente americano Lyndon Johnson, é perfeitamente aplicável a
alguns dos novos prefeitos brasileiros.
Depois da festa da vitória, os novos chefes do executivo de pequenos e
médios municípios de estados como Pernambuco, Paraná e São Paulo têm
percebido o tamanho da encrenca que assumiram ao encontrar a situação de
“terra arrasada” deixada por seus antecessores, que, em vários casos,
após serem derrotados, simplesmente abandonaram a administração.
A lista de problemas começa com prédios depredados, frota de veículos
sucateada, corte de luz e água, salários atrasados e caixa vazio. Em
alguns municípios, o absurdo é ainda maior com o sumiço de móveis,
documentos e computadores – o que impede que os novos prefeitos saibam
de imediato até mesmo quantos funcionários trabalham na máquina pública.
“É como começar do zero”, diz a nova prefeita de Farol, cidade de
3.400 habitantes do norte do Paraná, Angela Kraus (PT do B). Ela
assumiu sem ter tido nenhum contato com a administração anterior – sua
antecessora, que não elegeu seu candidato, vetou a formação de uma
equipe de transição. Quando entrou no prédio da prefeitura, Kraus
percebeu que a gestão anterior havia criado mais de cem cargos
comissionados e contratado 70 estagiários no pequeno município, que
sobrevive da agropecuária. Quase 10% da população trabalhava para a
prefeitura. A frota de máquinas e ônibus estava toda com pneus em
péssimo estado e havia um rombo de 2 milhões de reais nas contas –
equivalente a 20% da receita anual. As contibuições dos funcionários
para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão atrasadas desde
setembro.
“Ela chegou ao ponto de devolver verbas de convênios com o governo
estadual. Não queria apenas zerar o caixa, queria que ficássemos sem
dinheiro para o ano seguinte”, diz Kraus.
Sem verba até para comprar gasolina, Kraus não tem nem usado o carro
comprado pela administração da antecessora, Dirnei Cardoso (PMDB),
conhecida como Dina. O veículo, modelo Vectra, aliás, é um exemplo de
como alguns políticos confundem a máquina pública com seus interesses
pessoais: a placa (ADC 1707) foi alvo de investigação do Ministério
Público em 2011. O órgão não achou coincidência que as letras eram
idênticas às iniciais de “Administração Dirnei Cardoso”, e os números
correspondentes à data de aniversário da ex-prefeita: 17 de julho.
“Ainda vamos fazer boletim de ocorrência para cada uma das
irregularidades. Fazemos questão de que ela seja responsabilizada”, diz a
nova prefeita. Para ajudar estancar a crise financeira, a prefeita
planeja devolver um portal instalado na entrada do município poucos dias
antes da eleição, e que ainda não foi pago. “Ela não pagava o INSS
desde setembro, mas encomendou um portal...”, afirma.
Sucata - Em São Sebastião da Bela Vista, município de pouco menos de
5.000 habitantes do sul de Minas Gerais, o novo prefeito, Augusto Hart
Pereira (PT), resolveu expor em praça pública a situação em que
encontrou a administração local. Logo após tomar posse, Pereira mandou
alinhar todos veículos da prefeitura na rua principal para que a
população pudesse ver o estrago deixado pelo antecessor, José Wagner
Ribeiro de Paiva (DEM), que não conseguiu se reeleger. A maioria dos
carros e ônibus não está em condições de uso ou foi deixada sem o motor.
Dos 36 veículos, 24 devem ser leiloados como sucata.
“Fizemos isso não tanto para denunciar o prefeito anterior, mas sim
para que a população entendesse como vai ser difícil resolver os
problemas”, disse Pereira. Nas finanças, o cenário não é diferente: 1,5
milhão de reais encontrado no caixa já está todo empenhado para pagar
dívidas. O INSS de servidores está atrasado e até mesmo a coleta de lixo
não estava sendo feita nas últimas semanas da administração anterior.
Depredação - Em Holambra, famosa estância turística próxima a
Campinas (SP), o descaso com o patrimônio chegou ao extremo. O novo
prefeito, Fernando Godoy (PTB), se reuniu com a prefeita na sede do
município uma vez após a eleição, mas sua antecessora, Margareti Groot
(PPS), não autorizou a instalação de uma equipe de transição.
Ao assumir a prefeitura, veio a surpresa: quase todos os móveis,
entre mesas, cadeiras e arquivos da prefeitura sumiram. O próprio prédio
estava com salas sujas e paredes com sinais de infiltração. No gabinete
do prefeito, o disco rígido do computador desapareceu. No pátio da
prefeitura, o mato se espalhou entre carros e ônibus abandonados. E não é
só: duas creches foram interditadas devido às más condições de higiene.
Segundo o prefeito, as dívidas da cidade somam 25 milhões de reais.
Fernando Godoy registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil.
“Sabíamos que a situação da prefeitura estava difícil, já que ela não
passou nenhum dado, mas levantamos algumas coisas no Tribunal de Contas.
Agora, essa dos móveis provocou um susto”, diz.
Em entrevista coletiva dada logo após a posse, a ex-prefeita
Margareti Groot disse que os móveis retirados haviam sido comprados por
ela, com recursos próprios, para uso no período em que administrou a
cidade. Por isso, declarou ter levado a mobília para casa. “O Godoy é
leviano”, disse a ex-prefeita.
Severino - Entre os maus prefeitos que recentemente deixaram cidades
em situação desoladora está o célebre ex-presidente da Câmara dos
Deputados Severino Cavalcanti (PP). Notável por acumular uma série de
denúncias em sua curta passagem pela presidência da Casa, que só durou
sete meses, em 2005, o “rei do baixo clero” foi eleito em 2008 prefeito
de sua cidade natal, João Alfredo, no agreste pernambucano. Quatro anos
depois, após desistir da reeleição por ter sido enquadrado na Lei da
Ficha Limpa, Severino deixou a administração sem pagar os salários de
dezembro e com as contas do município bloqueadas na Justiça. A nova
prefeita, Maria Sebastiana (PTB), acusa ainda a administração de
Severino de ter sucateado o hospital local, que está com alas
completamente inutilizadas e a sala de cirurgia interditada.
Ela registrou boletins de ocorrência e acusa ainda Severino de ter
deixado uma dívida de 2,7 milhões de reais. As contas do município estão
bloqueadas desde novembro. O Ministério Público acusou a administração
de Severino de privilegiar o pagamento de fornecedores e atrasar
salários. No início desta semana, o Ministério Público voltou à carga
contra o ex-prefeito e abriu uma investigação para apurar as supostas
irregularidades da sua gestão, como o sucateamento do hospital. Severino
não foi encontrado pela reportagem para comentar o caso.
Buraco - Em São Domingos, em Sergipe, o buraco deixado pela
administração anterior não é só metafórico: quando entrou em um gabinete
da prefeitura, o novo prefeito, Pedro da Silva (PT), encontrou um
buraco de 12 metros no chão, semelhante a um poço, mas cuja utilidade
não até agora não ficou clara. No fundo havia restos de papéis. Ele
também se deparou com o mesmo problema de outras cidades: o sumiço quase
total de documentos da administração anterior, que era comandada por
José Robson Mecenas (PP), que não conseguiu se reeleger. Até mesmo a
posse foi conturbada. Logo após Silva assumir, vândalos apedrejaram e
quebraram uma porta de vidro da sede da prefeitura.
Finanças - Muitas prefeituras não registraram casos tão absurdos, mas
a maioria dos novos prefeitos está assumindo cidades com má saúde
financeira. O presidente da Confederação Brasileira de Municípios, Paulo
Roberto Ziulkoski, afirma que, em 2012, pelo menos 70% dos 5.565
municípios brasileiros não conseguiram cumprir a Lei de Responsabilidade
Fiscal.
“O trabalho de prefeito é tão complicado e pouco atraente para gente
séria que acaba afastando os bons administradores, as pessoas mais
capazes. Assim, muitos aventureiros e maus administradores acabem
preenchendo o espaço”, disse Ziulkoski. “As cidades não têm receita, já
que quase tudo é arrecadado pelo governo federal, que não manda uma
contrapartida justa às cidades. Claro que há maus administradores, mas
muitos prefeitos não tinham mesmo como fechar as contas. Eles não têm
BNDES, Caixa, ou Fundo Soberano para tapar os buracos, como o governo
federal e os estaduais fazem."
Na segunda-feira, mais de 5.000 prefeitos devem ir a Brasília para se
encontrar com a presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, o governo
federal deve anunciar um “pacote de bondades” para os prefeitos em
dificuldades, que inclui a ampliação de programas federais, como Plano
de Aceleração do Crescimento (PAC). Dilma também encomendou à área
econômica uma proposta de “encontro de contas”. É uma antiga
reinvindicação dos prefeitos, que pedem mudanças nos descontos de
dívidas municipais com o INSS. Atualmente, esses descontos são feitos
nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), mas os
prefeitos querem que esse débito seja primeiro confrontado com os
créditos federais que as prefeituras têm a receber, o que pode diminuir o
valor a ser abatido.
Fonte:
Veja