Pelo menos oito municípios cearenses já foram alvo de intervenções do
Ministério Público Estadual em 2013 por irregularidades em licitações e
crime contra o patrimônio público. Até setembro deste ano, Uruoca,
Quixeramobim, Jijoca de Jericoacoara, Itaiçaba, Potengi, São Gonçalo do
Amarante, Quixadá e Sobral já tiveram gestores afastados, presos ou
vítimas de busca e apreensão por supostos desvios de verbas através de
licitações. Entretanto, as ações de improbidade administrativa ainda
caminham a passos lentos no Estado.
De
acordo com o promotor de Justiça Eloilson Landim, os conluios nas
licitações são a porta de entrada para a corrupção nas prefeituras Foto:
Natinho Rodrigues
O levantamento considera apenas as operações investigadas pela
Procuradoria de Justiça dos Crimes Contra a Administração Pública
(Procap), responsável pelas investigações na área criminal de gestores
com foro privilegiado. De acordo com o promotor de Justiça Eloilson
Landim, integrante do núcleo, as licitações são a porta de entrada da
corrupção. "Para desviar dinheiro público, você frauda licitações ou faz
conluios", diz.
De acordo com o promotor, as empresas de fachada e os acordos firmados
antes mesmo da abertura de licitações favorecem a improbidade
administrativa, que configura a má gestão de recursos e bens públicos,
englobando desde ações de desobediência à Constituição Federal até casos
mais diretos de desvio de verba pública. "Esses conluios permitem
colocar amigos, pessoas próximas, diretamente interessadas ou
contribuintes de campanha dentro das prefeituras, contratando com os
municípios", ressalta Eloilson.
Durante as operações do Ministério Público (MP), muitas deflagradas em
parceria com a Polícia Civil, sobram reclamações de gestores, que
reclamam de um excesso do MP. Para Eloilson Landim, os questionamentos
não têm fundamento legal. "Não tem excesso, não. Tem é complacência,
porque, se todos os promotores trabalhassem como deveriam - não que eles
não queiram, mas porque não podem devido à falta de estrutura - com
certeza a realidade do Ceará seria outra", alega.
Apesar da legislação que exige transparência dos gastos da gestão
pública, o promotor de Justiça da Procap explica que os administradores
municipais não divulgam a execução orçamentárias das prefeituras em
tempo real. Ele defende que os gestores escaneiem todo o processo
licitatório e encaminham, no prazo de 24 horas, ao Tribunal de Contas
dos Municípios (TCM) e ao Portal da Transparência dessas cidades. "Qual a
dificuldade disso?", questiona.
Falta de informações
Na avaliação de Eloilson Landim, não se sustenta mais o argumento de que
faltam aos gestores públicos, especialmente das cidades menores,
conhecimento técnico sobre a administração pública. "Não faltam
informações aos gestores. Tem cidade que gasta R$ 3 milhões com
assessoria", argumenta.
Para Landim, os cargos de contadores e procuradores judiciais das
prefeituras municipais devem ser ocupados por profissionais de carreira,
e não por nomeações políticas, justificando que eles são encarregados
de zelar pelo patrimônio público. "Hoje, a contabilidade dos municípios
ocorre dentro das empresas privadas", atesta. E complementa: "Quando
fragiliza a fiscalização interna, abre margem para essas coisas
aparecerem".
Apesar das operações deflagradas nos municípios para denunciar gestores
que fazem mau uso do recurso público, muitas dessas ações, ao chegarem à
Justiça, ficam congeladas. Do ponto de vista prático, pouco é
efetivamente concretizado contra esses prefeitos e secretários, embora
desembargadores cearenses neguem que haja alguma interferência política
nos julgamentos dessa natureza.
Com o intuito de fazer uma espécie de mutirão para julgar ações de
improbidade administrativa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
estabeleceu a Meta 18, segundo a qual os tribunais de Justiça dos
estados devem julgar, até o final do ano, todas as ações de improbidade
administrativa ajuizadas até 31 de dezembro de 2011. No Ceará, existem
mais de 1.500 processos desse tipo, mas o próprio presidente do Tribunal
de Justiça cearense, desembargador Gerardo Brígido, já chegou a
reconhecer que é inviável a apreciação de todas as ações no prazo
apontado pelo CNJ.
Recursos
De acordo com o desembargador responsável pelo grupo de auxílio formado
por oito juízes para dar agilidade a esses processos nos municípios
cearenses, Inácio de Alencar Cortez Neto, os 151 processos que tramitam
em segundo grau - com recursos - devem ser finalizados dentro do período
fixado pelo Conselho Nacional de Justiça. Desse total, 46 são
referentes a embargos de declaração e agravos de instrumentos, tipos de
recursos aos quais os envolvidos têm direito, o que, na prática,
representam apenas desdobramentos de outras ações contra gestores.
Desde que o colegiado foi instituído no TJ, já foram feitos 204
despachos e proferidas 18 decisões e 89 sentenças. Dos processos
avaliados até o momento, 46 foram excluídos da pauta por não obedecerem
os requisitos da Meta 18, no tocante ao ato de improbidade ou à data que
foi ajuizado. Os números não incluem os dados de Fortaleza, que só
devem ser concluídos a partir do dia 10 deste mês.
O grupo especial do Tribunal de Justiça já percorreu 16 cidades para
acelerar a tramitação dos processos de improbidade. Entre as comarcas
visitadas, constam Fortaleza, Horizonte, Pacajus, Pacatuba, Maracanaú,
Ubajara, Reriutaba, Ipu, Viçosa do Ceará e Santa Quitéria. O próximo
destino é a região do Crateús, considerada a que apresenta a maior
demanda de ações, tendo em vista a falta de juízes das comarcas.
Na opinião do desembargador Inácio Cortez, os processos de improbidade
administrativa devem ter prioridade na Justiça, levando em conta a
quantidade de pessoas que são prejudicadas direta e indiretamente com os
desvios de recursos públicos. "Tem que ter prioridade para que a
população veja quem são seus dirigentes.
Nada justifica um gestor se utilizar do cargo público para desviar o
dinheiro da gente, dos impostos. Aqui no Brasil, nós temos uma das
maiores cargas tributárias do mundo, então temos que ter serviço de
primeiro mundo, e não de terceiro, quarto mundo", analisa.
Segundo o desembargador, a celeridade na tramitação desses processos
pode ser revertida como ação educativa para evitar desvio de recursos.
Ele também reconhece que esses processos ainda levam muito tempo até
serem finalizadas. "Tramitam com morosidade porque existem comarcas que
ainda estão vagas. Ainda há carência de juízes". O desembargador Inácio
Cortez também diz acreditar que os gestores têm suporte legal para
evitar irregularidades. "Não se justifica que seja ignorância à lei,
porque eles têm uma assessoria. Só cometem improbidade se quiserem",
critica.
LORENA ALVES
REPÓRTER/Diário do Nordeste