O contabilista diz que enxerga tudo como os outros apesar do pescoço ser virado.
Devido a um problema
genético, Cláudio Vieira de Oliveira, 37, de Monte Santo (BA), nasceu
com o pescoço envergado para trás --mas enxerga como as pessoas
comuns. Depois de aprender a ler e a escrever usando um lápis na boca,
formou-se em contabilidade e hoje é suplente de diretor fiscal do
Sindicato dos Contabilistas da Bahia. Seu principal trabalho, no
entanto, é ministrar palestras motivacionais.
Nasci em casa, de parto
normal, em Monte Santo, cidade do sertão da Bahia que foi quartel
general do Exército durante a Guerra de Canudos, em 1897.
O parto foi muito
difícil e quase custou a vida de minha mãe. Minha avó, parteira, tentou
fazer o parto, mas não conseguiu porque eu estava numa posição difícil.
Foi quando apareceu um
estudante de medicina, José Valdo Barreto, que conseguiu me trazer ao
mundo. Minha mãe desmaiou após o parto. Zé Valdo quase desmaiou. Nasci
com braços e pernas atrofiados, acharam que eu não ia vingar e me
levaram às pressas para batizar. Houve quem incentivasse meus pais a não
me alimentar. Achavam que, além de dar muito trabalho, eu acabaria
vegetando.
Comecei a me interessar
pelos estudos aos seis anos, ao observar meus irmãos fazendo atividades
escolares. Pedi à minha mãe que me colocasse na escola, mas ela se
esquivava, pois tinha medo da reação dos alunos.
Como persisti, ela
procurou uma pessoa para me dar aula particular. Assim, aprendi o
alfabeto e comecei a formar as primeiras palavras, tudo com a boca.
Estudei e me formei em contabilidade em 2004. Na escola e na faculdade, sempre tive o apoio de todos.
Por ficar com a cabeça
para baixo quando estou em pé, muitas pessoas acham que vejo tudo de
cabeça para baixo, mas não é assim. Vejo como as pessoas normais.
Em casa, leio revistas,
livros e assisto TV, deitado ou em pé. Com uma caneta na boca, digito no
computador. Me alimento sozinho, minha comida fica num prato e como só
com a boca, sem talheres; bebo líquido também sozinho, com um canudo.
Ando com um sapato
especial, feito no hospital da Rede Sarah em Salvador, onde aprendi a me
adaptar e fazer minhas tarefas sozinho.
Dependo de outras
pessoas para ir ao banheiro e na hora de sair, quando tenho de ser
conduzido pelos braços. Mas a cada dia adquiro peso e vai ficando mais
difícil sair.
Na minha casa, todos se dividem para me ajudar, não faltam voluntários.
Em 2000, tive uma das
maiores emoções da minha vida: conheci o papa João Paulo 2º. Um
amigo escreveu para o Vaticano relatando minha história e fui para Roma
com ajuda de amigos e familiares. Encontrei o papa na praça São Pedro.
Ele me deu um terço, disse que ia orar por mim e me deu a bênção.
Neste ano, tive outra
grande emoção, na Jornada Mundial da Juventude, quando conheci o papa
Francisco. Depois de muita dificuldade para passar, fiquei com outras
pessoas esperando ele ir em direção ao hospital.
Eu e meus amigos
gritamos para ele, que chegou até mim, me abraçou e fez o sinal da cruz
na minha testa. "Sinta-se abençoado", falou.
Em 2009, conheci o Zico, meu ídolo, no Maracanã. Sou flamenguista.
Meu trabalho é dar
palestras motivacionais em empresas. Acho que nasci designado a cumprir
uma missão: ser exemplo de perseverança e superação. Mostro que podemos
enfrentar todos os problemas e obstáculos. Temos que aceitar a vida e
vivê-la.
Gosto de sair com os
amigos, danço, namoro, viajo, faço tudo. Essa motivação é fruto de minha
família, que nunca me enxergou como um deficiente. Isso me fortalece.
(Foto: Daniel Santos da Silva/Folhapress)
Fonte: Folha.com
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