Na quarta-feira 18, quando o ministro Celso de Mello anunciou o voto
de desempate no debate sobre embargos infringentes para 12 réus da ação
penal 470, consumou-se uma mudança profunda no universo do Supremo
Tribunal Federal. O julgamento do mensalão havia transformado o ministro
Joaquim Barbosa no primeiro magistrado brasileiro cujo rosto foi
reproduzido em máscaras de Carnaval e lhe trouxe uma popularidade capaz
de alimentar uma eventual candidatura presidencial em 2014. Treze meses
depois, o juiz que muitos brasileiros passaram a considerar como
símbolo da luta contra a corrupção encarou uma derrota que o placar de 6
votos a 5 não traduz em seu significado real. Se tivesse sido vitorioso
mais uma vez, como aconteceu sem exceção em todas as deliberações
relevantes do julgamento, Barbosa teria conservado a posição de força
que lhe permitiu conduzir o processo até aqui e provavelmente essa
semana réus como o ex-ministro José Dirceu e o deputado João Paulo Cunha
estivessem a caminho da cadeia para cumprir suas penas em regime
fechado. A derrota de Barbosa, no entanto, adiou esse final, frustrou
boa parte dos brasileiros e lhe trouxe novos desafios. Nos próximos
meses, o presidente do STF terá a missão de liderar uma corte que seja
capaz de assegurar os direitos que a lei permite a réus já condenados,
mas que seja intransigente com a punição. E terá de fazer isso sem os
mesmos poderes de antes. Nessa nova etapa do mensalão, estarão em cena
dois ministros que não participaram das decisões anteriores, um novo
procurador da República e um novo relator. Além disso, o resultado da
quarta-feira 18 mostra que uma nova correlação de forças pode se
instalar no plenário da Suprema Corte, tornando-o mais legalista.
NOVOS PROTAGONISTAS
Emergem para a próxima etapa do julgamento. Além do presidente do STF,
Joaquim Barbosa (à frente), exercerão papel fundamental os ministros Luiz Fux,
Luís Roberto Barroso e Teori Zavaski (da esq. para a dir.)
CORRELAÇÃO DE FORÇAS
Com o voto do decano Celso de Mello (embaixo, à dir. do ministro Gilmar Mendes)
em favor dos embargos infringentes, o ex-ministro José Dirceu (abaixo)
pode se beneficiar de uma composição do STF considerada mais “legalista”
e se livrar do regime fechado. O novo procurador da República, Rodrigo Janot (acima),
só pretende pedir a prisão dos condenados depois que todos os trâmites legais forem cumpridos
Escolhido por sorteio, o novo relator, Luiz Fux, mostrou-se um aliado de todas as horas de Barbosa. Mas não possui a mesma autoridade entre os colegas. Acusado de ter feito uma das mais persistentes campanhas para convencer a presidenta Dilma Rousseff a indicar seu nome para o STF, deixando em vários interlocutores do governo a certeza de que estava convicto da inocência dos acusados, sua capacidade de convencer ministros e liderar o plenário é muito baixa. Outra mudança no ambiente político em torno do tribunal consiste no novo procurador-geral da República, que dará sua opinião em vários momentos do julgamento, a começar pelos recursos que cada réu vai apresentar. Até agora, a postura de Roberto Gurgel sempre foi a de parceiro inquebrantável de Barbosa. O novo procurador, Rodrigo Janot, demonstra uma visão mais moderada e conciliadora. Na semana passada, Janot deixou claro que só pretende pedir a prisão dos condenados depois que todos os trâmites legais tiverem sido cumpridos.
A principal lição do voto de desempate de Celso de Mello, na semana passada, consiste em evitar maniqueísmos que só podem prejudicar o Direito e a Justiça. Mesmo inteiramente convencido da culpa dos condenados da Ação Penal 470, o decano apoiou os embargos infringentes sem manifestar a menor dúvida de que os condenados são mesmo culpados e devem cumprir a pena recebida. A questão, lembrou o decano, é que um juiz deve ser “justo, isento, imparcial e independente”. Não pode negar a um réu uma garantia assegurada a todos os cidadãos nem renunciar a suas convicções da missão do Direito em favor de pressões políticas ou da opinião das multidões. Esclarecendo, com base numa decisão do Congresso de 1998, que, longe de constituir uma “filigrana ou tecnicalidade,” os embargos integram os direitos fundamentais do regime democrático, Celso de Mello definiu um equilíbrio necessário entre a necessidade de punir crimes de toda natureza e a importância de se garantir uma ampla defesa, mostrando que é preciso combater a impunidade, mas nem por isso deve-se aceitar que direitos sejam atropelados. Num país onde há justa indignação com a impunidade, caberá agora ao ministro Joaquim Barbosa separar com rigor o que é direito assegurado daquilo que é filigrana ou tecnicalidade, armas que advogados competentes costumam usar para protelar a punição dos culpados.
A FORÇA DO NOVATO
O ministro Luís Barroso diz que pensa o direito "pela ótica da Constituição"
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